Mesmo na morte ha fronteiras, mas aqui uma arvore e igual para todos

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No meio das árvores, que substituem as habituais campas, a artista francesa Elsa construiu uma escultura em memória das pessoas ali sepultadas, à qual chamou “Árvore do Repouso”. É mais uma árvore que surge no cemitério florestal de Olm, no Luxemburgo, mas com a diferença de ser feita de ardósia. 

Elsa está vestida como se estivesse na guerra. Casaco de tropa, calças largas que disfarçam as pernas magras e botas. No meio de uma floresta, vai terminando os últimos retoques na árvore que tem esculpida à sua frente, em duas grandes placas de ardósia que vieram da Bélgica, perto da fronteira com o Luxemburgo.

Elsa está num cemitério, mas à sua volta não há campas nem cruzes, nem figuras de santos ou altares. Apenas árvores, algumas delas com pequenas placas numeradas, nas quais foram enterradas as cinzas de quem morreu. É O “Bëschkierfecht” (cemitério florestal, em português) de Olm, em Kehlen, um conceito que existe no Luxemburgo desde 2011. Não se pode trazer oferendas nem deixar objetos, de forma a preservar o espaço natural. Até mesmo flores não são aconselhadas, apesar de numa das árvores estarem encostadas três rosas brancas já murchas.

Enquanto Elsa vai distribuindo as folhas de inox pela árvore, o companheiro luxemburguês, Albert, vai falando com as poucas pessoas que passeiam pela floresta, e agora com o Contacto. “Ela não gosta das ardósias de Portugal”, brinca Albert. Ao que Elsa faz questão de justificar: “Não é não gostar, eu gosto, mas são as ardósias mais duras com as quais já trabalhei. São boas para fazer peças grandes, mas peças pequenas é complicado”.

 

«Em França, [o cemitério florestal] é um conceito desconhecido, mas é algo que me diz muito, porque é um regresso à natureza.»
-Elsa

 

A escultura sempre fez parte da vida de Elsa, artista francesa de 39 anos. Em pequena, passava os dias no ateliê do pai, também escultor, rodeada pelos seus amigos artistas – pintores, músicos ou humoristas. “Quando somos artistas não há uma separação entre a vida profissional e pessoal, não se fecha a porta do escritório e se entra em casa. Porque ser artista não é uma profissão, é uma forma de estar”, conta Elsa. “Não posso dizer que a escultura foi realmente uma escolha, mas foi assim que aconteceu”.

Apesar de ter nascido em Corrèze, uma região da França conhecida pela ardósia, Elsa só começou a esculpir com esse material quando se mudou para a Borgonha. À beira da estrada, passou por restos de materiais e destroços de uma casa que estava em obras na aldeia vizinha. Pôs-se a vasculhar e encontrou azulejos de ardósia. “Levei dois ou três para casa e foi assim que comecei a fazer esculturas em ardósia, há 12 anos”, conta.

Uma árvore para nos levar até ao céu

No dia 8 de março de 2017, dia internacional da mulher, Elsa esculpiu uma peça de ardósia durante três horas, em direto para a RTL, no Luxemburgo. “Durante esse tempo não falei, só esculpi. Havia pessoas que iam falando durante a emissão, inclusive o Albert, que fala luxemburguês, mas de resto só ouviam o som da pedra a ser trabalhada”.

No dia seguinte, Elsa recebeu a chamada de uma mulher que trabalhava na Câmara Municipal de Kehlen e que era responsável pelos cemitérios. “Disse-me que há já muito tempo que estavam à procura de alguém que realizasse uma obra para o cemitério florestal em Olm. Eu não sabia o que era. Fiquei dividida porque o facto de ser numa floresta tinha a ver comigo, que trabalho muito com temas sobre a natureza e vegetais, mas ser num cemitério era estranho”, confessa a artista.

Nesse mesmo ano, no outono, Elsa perdeu uma amiga e foi ao seu funeral na Alemanha, num cemitério florestal. Foi aí que percebeu como funcionava esse tipo de cemitérios e a sua importância para acabar com as “fronteiras”.

 

«Qual é o melhor elevador para subir até ao céu? Uma árvore.»
-Elsa

 

“Em França, é um conceito desconhecido, mas é algo que me diz muito, porque é um regresso à natureza”, conta. “Num mesmo espaço, numa floresta, podemos encontrar pessoas de religiões diferentes, culturas diferentes, de diferentes estatutos sociais, e seria bom que essa junção também acontecesse na vida e não apenas na morte. Porque mesmo na morte há fronteiras. Continuamos a construir muros e a marcar a diferença, porque uns vão ter uma estrela, outros uma cruz ou uma meia-lua. E aqui uma árvore é igual para todos”.

Em finais de abril deste ano, Elsa começou a trabalhar na escultura para o cemitério, num dos espaços disponibilizados pela Câmara Municipal de Kehlen. Qualquer pessoa podia entrar e observá-la a trabalhar. Na maior parte das vezes, o tema das conversas ia parar à morte e à opinião das pessoas sobre estes novo tipo de cemitérios. “Uns diziam que gostavam, outros diziam preferir o cemitério tradicional. Era sempre uma conversa interessante sobre um tema que não é fácil, mas que toca a todos”, diz Elsa.

No dia 1 de outubro, a peça foi transportada para o cemitério florestal de Olm, a poucos dias da inauguração, no dia 11. Nesse dia, Elsa já não tinha o “fato de guerra”, mas antes um vestido com um padrão de folhas e um casaco em tons de amarelo. Pouco tempo antes da hora prevista para a inauguração, começaram a chegar algumas pessoas.

Um homem que costuma passear pela floresta com a sua cadela senta-se na estrutura de madeira do cemitério, onde no interior foi colocada uma placa com os nomes das pessoas que lá estão enterradas. Conta que não tem familiares ali, mas muitos conhecidos. Vai deslizando o dedo pela placa e lendo em voz alta alguns dos nomes. A seu lado, senta-se uma mulher, de olhar triste. “O meu marido está aqui”, diz. “Era uma pessoa que gostava de natureza, árvores e fazia sentido enterrá-lo numa floresta. É mais tranquilo do que os outros cemitérios”.

Pouco a pouco, mais pessoas vão chegando. Debaixo da árvore onde no dia anterior havia rosas murchas, está agora um novo ramo de rosas brancas. Elsa retira o pano escuro que cobre a escultura com a ajuda do presidente da Câmara Municipal de Kehlen, Felix Eischen.

As pessoas aproximam-se e começam a andar à volta da árvore de ardósia, a apreciar os detalhes das raízes e do tronco e à procura dos nomes dos seus familiares que faleceram, gravados em algumas das folhas da árvore. Uma mãe que perdeu um filho, vai muito aflita ter com Elsa e diz-lhe não encontrar o nome do filho. Elsa leva-a perto da escultura e aponta para uma das folhas.

A “Árvore do Repouso” é a 30.ª grande escultura de Elsa, que tem já várias obras espalhadas pela Europa, em países como Dinamarca, Suíça, Alemanha e Bélgica. Ao todo, a árvore tem 420 folhas de inox, das quais 31 têm gravado o nome das pessoas cujas cinzas foram depositadas no cemitério florestal de Olm. Este cemitério foi criado em 2017, seis anos depois do primeiro cemitério florestal do Luxemburgo, o “Rieder Bëschkierfecht”, em Betzdorf. Até ao momento, existem 14 cemitérios florestais no Luxemburgo, segundo a Administração da Natureza e das Florestas.

Em Olm nasceu agora mais uma árvore. Um elemento da natureza que esteve sempre muito presente nas obras de Elsa, e que para este projeto pareceu-lhe o mais indicado. “A estrutura de uma árvore é muito semelhante à do corpo humano. E simbolicamente uma árvore é um canal entre a terra e o céu. Tem as raízes no solo, de onde vem a sua alimentação e energia, e estende os seus ramos em direção ao céu, à luz”, explica Elsa. “E qual é o melhor elevador para subir até ao céu? Uma árvore”.

Para saber mais sobre o trabalho de Elsa, pode consultar o site da artista em:  http://www.elsa-sculpteur.com/

 

Source: Contacto

Autor: Sibila Lind

Photo: Sibila Lind

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